Introdução
A Assembleia Nacional de Cabo Verde aprovou, recentemente, a Lei do Orçamento do Estado para o ano económico de 2021, e, como já vem sendo usual, decidimos fazer uma breve leitura e análise do documento, centrada no sistema fiscal, com o propósito de ser útil aos nossos clientes, aos colegas e ao público em geral.
Neste texto, iremos, mais uma vez, realçar os aspetos que achámos mais relevantes, na referida Lei, mormente os que concernem as verbas para financiamento dos municípios e dos partidos políticos, e para o fundo nacional de emergência, mas, principalmente, os que se referem ao sistema fiscal, destacando as alterações legislativas e outras medidas de política, bem como as comparticipações, bonificações, incentivos financeiros e outros e benefícios fiscais atribuídos aos agentes económicos.
Não deixaremos de apontar as outras medidas do Governo, visando o aumento da mobilidade entre as ilhas e a dinamização da economia nacional e local, incluindo a prestação de garantias e avales do Estado, a favor do setor público e do setor privado.
Também, referiremos a estatuição de um limite para o endividamento interno líquido, para fazer face ao financiamento do Orçamento do Estado, e de um valor a partir do qual os contratos de empreitada de obras públicas e de fornecimento de bens e serviços, e os contratos-programa e protocolos assinados pela administração central e local ficam sujeitos à fiscalização preventiva do Tribunal de Contas.
Finalmente, mencionaremos as autorizações concedidas ao governo para legislar em matéria pertinente ao Orçamento do Estado e realizar operações de crédito, aquisições de ativos, assunção de passivos e regularização de outras responsabilidades decorrentes de situações do passado, junto das empresas e pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, bem como para tomar medidas visando uma gestão eficiente da dívida pública.
Financiamento dos municípios
A Lei do Orçamento do Estado para 2021, no que concerne as autarquias locais, fixa o fundo de financiamento dos municípios em 3.864.924.572$00, o que representa um aumento de 105.276.921$00 (+3%), da verba atribuída à mesma rubrica pelo Orçamento do Estado para 2020, que se situou nos 3.759.647.651$00. Relembramos que no ano transato a referida verba tinha crescido cerca de 10%, pelo que o leve aumento de 2021 estará eventualmente relacionado com a adoção de políticas alternativas para fazer face ao contexto pandémico da COVID-19.
No que concerne à política de diferenciação positiva dos municípios, com menos de 15.000 habitantes, em número de doze (Paul, Tarrafal de São Nicolau, Ribeira Brava, Maio, São Miguel, São Salvador do Mundo, São Lourenço dos Órgãos, Santa Catarina do Fogo, Brava, Mosteiros, Ribeira Grande de Santiago e São Domingos), a exemplo do que sucedeu em 2019 e em 2020, o Orçamento do Estado para 2021 estabelece a mesma verba global, de 100.000.000$00, a dividir pelos referidos municípios, à razão de 8.333.000$00 para cada um deles, a qual deve ser afetada para projetos de investimento com impacto a nível do emprego e do rendimento.
Consignação de receitas e financiamento do fne-fundo nacional de emergência
O Capítulo V da Lei do Orçamento do Estado para 2021, que se reporta à consignação de receitas, refere as receitas consignadas, em geral, criadas nos termos da Lei, as quais constam dos mapas informativos anexos ao Orçamento do Estado, e cita, em particular, os fundos de sustentabilidade social para o turismo, o fundo de manutenção rodoviária e o fundo do ambiente, os quais são objeto de regulamentação em diploma próprio.
Relativamente aos fundos supracitados, estabelece o Orçamento do Estado para 2021 que os saldos anuais de cada fecho do ano fiscal são transferidos para efeito de alavancagem de fundos, no âmbito da titularização de créditos.
Especificamente, no que concerne o FNE foi-lhe consignada, no Orçamento do Estado para 2021 uma receita correspondente a 0,5% das receitas tributárias, cobradas no penúltimo ano económico anterior ao Orçamento do Estado, excluindo os impostos, taxas e contribuições consignadas por lei, e os impostos municipais, situando a verba orçada para o FNE nos 199.000.000$00 aproximadamente. A percentagem das receitas tributárias adstritas ao FNE manteve-se a mesma, relativamente ao Orçamento do Estado para o ano económico de 2020.
Financiamento dos partidos políticos
O financiamento dos partidos políticos foi objeto do Capítulo VI do Orçamento do Estado para 2021, o qual manteve invariável a verba de 70.000.000$00, do subsídio atribuído aos partidos políticos, nos termos da legislação aplicável.
Sistema fiscal em geral
O Capítulo VII do Orçamento do Estado para 2021, sobre o sistema fiscal, é onde se encontram refletidas as opções de política do governo de Cabo Verde, para dinamizar o mercado, de modo a fazer face à situação económica, no contexto de crise que habitualmente se vive no país, agora agravado pela pandemia da COVID-19, especificamente:
O Orçamento do Estado para 2021 reduz a taxa do imposto sobre o valor acrescentado, liquidado sobre os serviços de alojamento e restauração, de 15% para 10%, aplicável também às empresas do REMPE, durante 2021;
O Orçamento do Estado para 2021 mantém um leque de incentivos às Start-up Jovens, em geral, e às Start-up Jovens Tecnológicas (TIC e I&D), algumas, já previstas nos Orçamentos do Estado para 2019 e 2020, mormente, taxa de IRPC de 5% e 2,5%, respetivamente, que pode ser reduzida a metade, nalguns casos; isenções de impostos aduaneiros, na importação de determinados bens; isenção de imposto de selo, nos financiamentos para a sua atividade; redução a metade de emolumentos notariais e de registo, em situações especificadas; dedução das entradas de capital, até o limite de 2% da coleta do IRPC, quando localizadas em território nacional com PIB per capita inferior à média nacional, nos últimos 3 anos; majoração de 130% dos gastos na implementação do SAFT-CV; e benefícios fiscais, incentivos financeiros e outros, previstos na Lei.
As autarquias locais vão poder continuar a beneficiar, no âmbito do Orçamento do Estado para 2021, de isenções de impostos aduaneiros, na importação de veículos, equipamentos, bens, acessórios e materiais para o saneamento, proteção civil e bombeiros, estádios desportivos e produção de eletricidade com base na energia solar, tal como estipulado nos Orçamentos do Estado para 2019 e 2020.
As empresas, em geral, são também incentivadas, no Orçamento do Estado para 2021, com a dedução das entradas de capital, até o limite de 2% da coleta do IRPC, se localizadas em território nacional com PIB per capita inferior à média nacional, nos últimos 3 anos; e com a majoração em 130% dos gastos com certificação ou acreditação de sistemas de gestão de qualidade de produtos, processos ou serviços, e dos gastos na implementação do SAFT-CV.
Tal como aconteceu, no âmbito dos Orçamentos do Estado para 2019 e 2020, são isentos os direitos aduaneiros, na importação de viaturas para serviço de táxi, incluindo taxímetros e equipamentos para centrais fixas, radiotáxis e radiotelefones; e são isentos os impostos alfandegários (direitos aduaneiros, imposto de consumo especial e imposto sobre o valor acrescentado) na importação de veículos de transporte executivo, transporte coletivo e transporte de turistas e suas bagagens, nas condições estabelecidas no Orçamento do Estado para 2021.
Mantém-se no Orçamento do Estado para o ano económico de 2021 os incentivos à mobilidade elétrica, mormente a isenção de direitos aduaneiros, imposto de consumo especial e imposto sobre o valor acrescentado, na importação de veículos, incluindo de duas rodas, e a isenção da taxa de parqueamento dos mesmos veículos. No que diz respeito à importação de recarga de baterias novas e seus acessórios, para carregamento dos veículos elétricos, a isenção atribuída refere-se aos direitos aduaneiros e ao imposto sobre o valor acrescentado.
O Orçamento do Estado para 2021 continua a isentar de direitos aduaneiros e imposto sobre o valor acrescentado a importação de bens, equipamentos e materiais para laboratórios do sistema nacional de qualidade, efetuadas pelo Instituto de Gestão da Qualidade e Propriedade Industrial; incentiva a construção, manutenção e reestruturação de espaços desportivos, pelo organismo central do desporto, federações, associações e clubes legalizados, isentando os materiais e equipamentos de direitos aduaneiros e imposto sobre o valor acrescentado; e estabelece isenções de direitos aduaneiros, imposto sobre o valor acrescentado, taxa comunitária e diversas outras isenções, em sede de IVA e IRPS, no âmbito dos projetos de ligação de cabos submarinos internacionais.
São de realçar os incentivos previstos, no Orçamento do Estado para 2021, à contratação de jovens e desempregados, aos estágios profissionais e ao ensino à distância, sendo que os incentivos à contratação de jovens e aos estágios profissionais já provinham dos Orçamentos do Estado para 2019 e 2020. Nomeadamente, a contratação de jovens continua a beneficiar da isenção da contribuição patronal de 16% para o INPS; a contratação de desempregados tout court concede o direito à dedução de 20.000$00 na coleta, por cada contrato; a empresa do REMPE que crie, pelo menos, cinco postos de trabalho pode ter comparticipação de 50% no salário de dois trabalhadores, ou mais, até 25.000$00; as pessoas individuais ou coletivas, com contabilidade, podem deduzir 20.000$00 por cada estagiário contratado, no mínimo de 6 meses; o governo comparticipa no pagamento do subsídio mensal dos estagiários com 15.000$00 ou 11.000$00, respetivamente, conforme sejam licenciados ou técnicos médios/profissionais; e é concedida isenção de direitos aduaneiros e imposto sobre o valor acrescentado na importação de portáteis, desktop e tabletes, para ensino à distância, às entidades formadoras certificadas e seus estudantes.
Outros benefícios fiscais, incentivos financeiros e outros incluídos no orçamento do estado
De entre outros benefícios fiscais, incentivos financeiros e outros incluídos no Orçamento do Estado para o ano económico de 2021, destacam-se:
A isenção de taxas na emissão de certidões e documentos necessários ao cumprimento de obrigações fiscais;
A isenção de taxas de licença para pesca artesanal, às embarcações até cinco toneladas;
Os incentivos no âmbito do projeto TDT, nomeadamente isenção ou redução de direitos aduaneiros, na aquisição de equipamentos para a rede, informáticos, de telecomunicações e internet e administrativos, set-top box, etc.;
Os incentivos no âmbito do programa de mitigação da seca, nomeadamente, isenção de direitos aduaneiros, imposto sobre o valor acrescentado e diversas, na importação de pastos, alimentos, produtos para vacinação e desparasitação de animais, material para irrigação gota-a-gota, etc.; isenção de direitos aduaneiros e do imposto sobre o valor acrescentado na importação de equipamentos e acessórios para dessalinização de água para a agricultura; benefícios a agricultores e criadores de gado, mormente isenção de taxas notariais, imposto de selo, e IUP nas transmissões e registo de prédios rústicos;
A bonificação de taxas de juros, em 50%, relativa aos juros pagos pelas famílias e pelas empresas do REMPE nos empréstimos para aquisição de equipamentos e serviços de instalação, para microprodução de energia renovável, nos termos previstos na Lei; para além de que, no geral, o Orçamento do Estado para 2021 inclui uma dotação de 132.000.000$00, a mesma que no ano transato, para bonificação de taxas de juro de linhas de crédito para micro, pequenas, médias e grandes empresas e de apoio à internacionalização das empresas cabo-verdianas;
Os Incentivos às pessoas com deficiência, a nível de isenção de taxas de inscrição e de frequência escolar, nos diversos níveis de ensino, do pré-primário ao superior, incluindo o ensino profissional;
As medidas dinamizadoras da economia local, de promoção das empresas do REMPE e dos empregos locais, mormente, a adequação dos montantes para procedimentos de obras públicas e aquisição de bens e serviços, definidos no artigo 5º do Código da Contratação Pública, preferencialmente destinados aos empreiteiros ou empresas domiciliados no concelho onde a obra é executada ou o serviço é prestado ou o produto é utilizado;
Uma verba para financiar as tarifas sociais de fornecimento de energia elétrica e de abastecimento de água, fixada em 100.000.000$00, o mesmo montante inscrito nos Orçamentos do Estado para 2019 e 2020;
As alterações nos prazos de pagamento do TEU-Tributo Especial Unificado das empresas do REMPE, e isenções do TEU às empresas do REMPE mais impactadas pela COVID-19;
A manutenção em vigor do regime de pagamento de impostos a prestações, no caso de comprovada falta de recursos, em termos e condições a serem negociados com a DNRE-Direção Nacional das Receitas do Estado;
A total isenção da taxa estatística aduaneira, no caso das ofertas a entidades de utilidade pública, para fins humanitários;
A criação de uma taxa específica sobre o tabaco, à razão de 40$00 por maço de cigarros.
Outras decisões no âmbito do Orçamento do Estado para o ano económico de 2021
Resta-nos, para terminar, fazer menção de outros aspetos relevantes do Orçamento do Estado, quais sejam:
A alteração ao Decreto-lei nº 37/2014 de 23/7 para manter as isenções de emolumentos nos atos notariais e de registo até que se complete a operação cadastral em curso nas ilhas do Sal, Boavista, S. Vicente e Maio;
A alteração à Lei nº 88/VIII/2015 de 14/4 para inclusão das concessionárias nas entidades adjudicantes de obras públicas, aplicando-se as regras estritas da contratação pública e estabelecendo o dever de elaborarem e enviarem anualmente a lista dos contratos que assinaram ao Ministério das Finanças e ao Ministério da tutela;
A autorização para o governo legislar sobre um sistema de sorteios a realizar pela DNRE, para atribuição de prémios às pessoas singulares cujos NIF estiverem relacionados a faturas, faturas-recibo, talões de vendas a dinheiro ou recibos de renda, com objetivo de combater a fraude ou evasão fiscal;
A autorização ao governo para revogar diplomas anteriores sobre remunerações acessórias do pessoal da DNRE e fixar novo regime, que seja legal e equitativo, de suplementos salariais, ao mesmo pessoal, com base no mérito e/ou nos resultados;
A manutenção em vigor do regime especial do IVA, que já vem de 2008, e foi alterado em 2013, permitindo o crédito do imposto nas faturas de água para rega, através da não liquidação do IVA, mas, ficando o fornecedor com direito a dedução, até que a Assembleia Nacional aprove o Regime Especial de Aplicação do IVA;
O estabelecimento de medidas de controlo sanitário nas viagens domésticas, via aérea ou marítima, obrigando a testes rápidos cuja taxa de 1.000$00 cobrada é consignada à aquisição de novos testes;
A dotação orçamental, em 2021, do montante de 350.760.000$00, para a promoção da mobilidade entre as ilhas, representando menos 5% do que o valor inscrito no Orçamento do Estado para 2020;
A fixação do montante de 11.500.000.000$00, como limite para garantias e avales do Estado, a favor do setor público e do setor privado, o mesmo valor inscrito no Orçamento do Estado para 2020;
A autorização ao Governo, para aumentar o endividamento interno líquido, em 5.869.611.414$00, para fazer face às necessidades de financiamento do Orçamento do Estado, o qual representa um aumento de 637% em relação ao ano anterior (+5.073.099.414$00);
E, finalmente, a fixação do montante de 20.000.000$00, tal como em 2020, a partir do qual todos os contratos de empreitada de obras públicas e de fornecimento de bens e serviços, bem como os contratos-programa e protocolos celebrados pela administração central e autárquica ficam sujeitos à fiscalização preventiva do Tribunal de Contas.
Outras operações autorizadas pelo Orçamento do Estado e medidas de gestão da dívida pública
Através do Orçamento do Estado para 2021, o governo fica autorizado a conceder empréstimos de retrocessão, resultantes da cooperação internacional, e a realizar outras operações ativas, bem como a renegociar condições e tomar medidas para incentivar a cobrança de empréstimos anteriores.
Fica, também, o governo autorizado a adquirir créditos e a assumir passivos de empresas públicas, e a regularizar as responsabilidades decorrentes de situações do passado, junto das empresas públicas, mistas e privadas e pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
Por outro lado, o governo fica autorizado a tomar medidas visando uma gestão eficiente da dívida pública, mormente substituição de empréstimos ou modalidade de empréstimos, reforço de dotações orçamentais para amortização da dívida, pagamento antecipado da dívida, etc.
OBS: As condições para usufruir dos eventuais incentivos e benefícios concedidos através do Orçamento do Estado para 2021 estão mais explícitas no texto da Lei publicada no Boletim Oficial nº 142, I série, de 31 Dezembro 2020.
Praia, 4 de Janeiro de 2021
Dr. João Marcos Alves Mendes
Sócio-gerente da AUDITEC-Sociedade de Auditores Certificados Lda.