Logo após a aprovação, pela Assembleia Nacional de Cabo Verde, da Lei do Orçamento do Estado para o ano económico de 2020, decidimos fazer uma breve leitura e análise documento, com ênfase no sistema fiscal, com o propósito de ser útil aos nossos clientes e ao público em geral.
Neste texto, iremos realçar os aspetos que achámos mais relevantes, na referida Lei, por ordem da sua aparição, mormente os que concernem as verbas para financiamento dos municípios e dos partidos políticos, e para o fundo nacional de emergência, mas, principalmente, os que se referem ao sistema fiscal, destacando as alterações legislativas e outras medidas de política, bem como as comparticipações, bonificações, incentivos financeiros e outros e benefícios fiscais atribuídos aos agentes económicos.
Não deixaremos de apontar as outras medidas do Governo, visando o aumento da mobilidade entre as ilhas e a dinamização da economia nacional e local, incluindo a prestação de garantias e avales do Estado, a favor do setor público e do setor privado.
Finalmente, referiremos a estatuição de um limite para o endividamento interno líquido, para fazer face ao financiamento do Orçamento do Estado, e de um valor a partir do qual os contratos de empreitada de obras públicas e de fornecimento de bens e serviços, e os contratos-programa e protocolos assinados pela Administração Central e Local ficam sujeitos à fiscalização preventiva do Tribunal de Contas.
Financiamento dos municípios
O Capítulo IV da Lei do Orçamento do Estado, sobre as autarquias locais, fixa o fundo de financiamento dos municípios em 3.759.647.651$00, o que representa um aumento de 356.611.856$00 (+10,5%), da verba atribuída à mesma rubrica pelo Orçamento do Estado para 2019, que se situou nos 3.403.035.795$00.
No que concerne a política de diferenciação positiva dos municípios, com menos de 15.000 Habitantes, em número de doze (Paul, Tarrafal de S. Nicolau, Ribeira Brava, Maio, S. Miguel, S. Salvador do Mundo, S. Lourenço, S. Catarina do Fogo, Brava, Mosteiros, Ribeira Grande de S. Tiago e S. Domingos), a exemplo do que sucedeu em 2019, o Orçamento do Estado para 2020 estabelece a mesma verba global, de 100.000.000$00, a dividir pelos referidos municípios, à razão de 8.333.000$00 para cada um deles.
Consignação de receitas e financiamento do fundo nacional de emergência
O Capítulo V da Lei do Orçamento do Estado, que se reporta à consignação de receitas, refere as receitas consignadas, em geral, criadas nos termos da Lei, as quais constam dos mapas informativos anexos ao Orçamento do Estado, e cita, em particular, os fundos de sustentabilidade social para o turismo, o fundo autónomo de manutenção rodoviária e o fundo do ambiente, os quais são objeto de regulamentação em diploma próprio.
Relativamente aos fundos supracitados, estabelece o Orçamento do Estado para 2020 que os saldos anuais de cada fecho do ano fiscal são transferidos para efeito de alavancagem de fundos, no âmbito da titularização de créditos.
Especificamente, no que concerne o fundo nacional de emergência foi-lhe consignada, no Orçamento do Estado para 2020, uma receita correspondente a 0,5% das receitas tributárias, cobradas no penúltimo ano económico anterior ao Orçamento do Estado, excluindo os impostos, taxas e contribuições consignadas por lei, e os impostos municipais, situando a verba orçada para o fundo nacional de emergência nos 180.000.000$00. A percentagem das receitas tributárias adstritas ao fundo nacional de emergência manteve-se a mesma, relativamente ao Orçamento do Estado para o ano económico de 2019.
Financiamento dos partidos políticos
O financiamento dos partidos políticos foi objeto do Capítulo VI do Orçamento do Estado para 2020, o qual manteve invariável a verba de 70.000.000$00, atribuída aos partidos políticos, a título de subsídio, nos termos da legislação aplicável.
Sistema fiscal
O Capítulo VII do Orçamento do Estado, sobre o sistema fiscal, pode ter gorado a expetativa dos que contavam com um novo e prometido abaixamento, sucessivo, da taxa do IRPC-Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas, aplicável às empresas, em geral, pois, efetivamente, o Governo teve outras opões, nomeadamente:
Um leque de incentivos às Start-up Jovens, em geral, e às Start-up Jovens Tecnológicas (TIC e I&D), que, a exemplo do já estabelecido no Orçamento do Estado para 2019, vão contar com uma taxa de IRPC de 5% e 2,5%, respetivamente, que pode ser reduzida a metade, nalguns casos; para além de isenções de impostos alfandegários, na importação de determinados bens; de imposto de selo, nos financiamentos para a sua atividade; redução a metade de emolumentos notariais e de registo, em situações especificadas; e obviamente dos benefícios fiscais, incentivos financeiros e outros, previstos na Lei.
As autarquias locais, também, vão poder beneficiar de isenções de impostos aduaneiros, na importação de veículos, equipamentos, bens, acessórios e materiais para o saneamento, proteção civil e bombeiros, estádios desportivos e produção de eletricidade com base na energia solar, o que já tinha constado do Orçamento do Estado para 2019.
No âmbito do Orçamento do Estado para 2020, são introduzidos, como novidade, relativamente ao Orçamento do Estado para 2019, incentivos ao financiamento das empresas, em geral, e das Start-up, em particular, permitindo a dedução das entradas de capital, até o limite de 2% da coleta do IRPC, o qual é restringido às empresas e Start-up com sede em território nacional com PIB inferior à média nacional, nos últimos 3 anos; é permitida a majoração em 130% dos gastos com certificação ou acreditação de sistemas de gestão de qualidade de produtos, processos ou serviços; e é estabelecido um regime transitório que isenta de IRPS, até 2021, os depósitos e capitais detidos no estrangeiro, dos clientes das instituições de crédito de autorização restrita.
Tal como aconteceu, no âmbito do Orçamento do Estado para 2019, é estabelecida a isenção de direitos aduaneiros, na importação de viaturas para serviço de táxi, incluindo taxímetros e equipamentos para centrais fixas, radiotáxis e radiotelefones; e é estabelecida a isenção de impostos alfandegários (direitos aduaneiros, imposto de consumo especial e imposto sobre o valor acrescentado) na importação de veículos de transporte coletivo e de veículos de transporte de turistas e suas bagagens.
Uma outra novidade do Orçamento do Estado para o ano económico de 2020 prende-se com os incentivos à mobilidade elétrica e híbrida, mormente a isenção do imposto de consumo especial e do imposto sobre o valor acrescentado, na importação de veículos elétricos ou híbridos, incluindo de duas rodas, e a isenção da taxa de parqueamento dos mesmos veículos. No que diz respeito à importação de recarga de baterias novas e seus acessórios, para carregamento dos veículos elétricos ou híbridos, a isenção atribuída refere-se aos direitos aduaneiros e ao imposto sobre o valor acrescentado.
Acresce como novidade, no Orçamento do Estado para 2020, a isenção de direitos aduaneiros e imposto sobre o valor acrescentado na importação de bens, equipamentos e materiais para laboratórios do sistema nacional de qualidade, efetuadas pelo Instituto de Gestão da Qualidade e Propriedade Industrial.
De entre outros benefícios fiscais e incentivos financeiros e outros incluídos no Orçamento do Estado para 2020, destacam-se:
Os incentivos aos empregadores que contratem jovens, mormente a isenção da contribuição de 15% para o INPS;
A isenção de taxas na emissão de certidões e documentos necessários ao cumprimento de obrigações fiscais;
A isenção de taxas de licença para pesca artesanal, às embarcações até 5 (cinco) toneladas;
Os incentivos no âmbito do projeto TDT, nomeadamente isenção ou redução de direitos aduaneiros, na aquisição de equipamentos para a rede, informáticos, de telecomunicações e internet e administrativos, set-top box, etc.;
O incentivo direto aos estágios profissionais (dedução de 20.000$00 à coleta, por cada estagiário) e comparticipação no subsídio mensal a estagiários (13.000$00 ou 9.000$00, consoante o seu nível de formação);
Os incentivos no âmbito do programa de mitigação da seca, nomeadamente, isenção de impostos aduaneiros, na importação de pastos, alimentos, produtos para vacinação e desparasitação de animais, material para irrigação gota-a-gota, etc.; isenção de direitos aduaneiros e do imposto sobre o valor acrescentado na importação de equipamentos e acessórios para dessalinização de água para a agricultura; benefícios a agricultores e criadores de gado, mormente isenção de taxas notariais, imposto de selo, e IUP nas transmissões e registo de prédios rústicos;
E a bonificação de taxas de juros, em 50%, relativa aos juros pagos pelas famílias e pelas micro e pequenas empresas nos empréstimos para aquisição de equipamentos e serviços de instalação, para microprodução de energia renovável, nos termos previstos na Lei; para além de que, no geral, o Orçamento do Estado inclui uma dotação de 132.000.000$00 para bonificação de taxas de juro de linhas de crédito para micro, pequenas, médias e grandes empresas e de apoio à internacionalização das empresas cabo-verdianas.
De referir, finalmente, que o Orçamento do Estado para 2020, inclui, também:
Incentivos às pessoas com deficiência, a nível de isenção de taxas de inscrição e de frequência escolar, nos diversos níveis de ensino, do pré-primário ao superior, incluindo o ensino profissional;
Medidas dinamizadoras da economia local e de criação de oportunidades no mercado local, mormente, a fixação em 30% do valor do Orçamento relativo à aquisição de bens e serviços, das entidades adjudicantes, destinado às micro e pequenas e médias empresas cabo-verdianas;
Uma verba para financiar as tarifas sociais de fornecimento de energia elétrica e de abastecimento de água, fixada em 100.000.000$00, o mesmo montante inscrito no Orçamento do Estado para 2019;
E uma alteração legislativa, no âmbito do regime jurídico das operações económicas e financeiras com o exterior e das operações cambiais no território nacional, que estabelece que “os residentes ou não residentes que à saída ou à entrada do território nacional transportam consigo notas e moedas metálicas em circulação, com curso legal nos países de emissão, e cheques de viagem ou títulos ao portador expressos nessas moedas ou em unidades de conta utilizadas em pagamentos internacionais cujo valor global atinja ou ultrapasse o equivalente a 1.000.000$00, devem declarar esse facto às autoridades competentes”.
Outras decisões no âmbito do Orçamento do Estado para 2020
Resta-nos, para terminar, fazer menção de outros aspetos relevantes do Orçamento do Estado, quais sejam:
A dotação orçamental, em 2020, do montante de 367.529.529$00, para a promoção da mobilidade entre as ilhas, representando mais 22% do que o valor inscrito no Orçamento do Estado para 2019;
A fixação do montante de 11.500.000.000$00, como limite para garantias e avales do Estado, a favor do setor público e do setor privado, praticamente o mesmo valor inscrito no Orçamento do Estado para 2019;
Duas alterações legislativas, visando, no âmbito do regime jurídico da utilização de veículos do Estado, criar incentivos para dirigentes, chefias e quadro especial terem viatura própria e, no âmbito do Código de Contratação Pública, estabelecer diferentes procedimentos na contratação de consultorias, sendo, até 2.000.000$00, ajuste direto; de 2.000.000$00 a 5.000.000$00, lista restrita; superior a 5.000.000$00, prévia qualificação;
A autorização ao Governo, para aumentar o endividamento interno líquido, em 796.512.000$00, para fazer face às necessidades de financiamento do Orçamento do Estado, o qual representa uma redução de 82% em relação ao ano anterior (-3.572.180.000$00);
E a fixação do montante de 20.000.000$00, o mesmo que em 2019, a partir do qual todos os contratos de empreitada de obras públicas e de fornecimento de bens e serviços, bem como os contratos-programa e protocolos celebrados pela Administração Central e Autárquica ficam sujeitos à fiscalização preventiva do Tribunal de Contas.
O quadro em anexo resume os aspetos relevantes que destacámos do Orçamento do Estado para 2020.
NOTA: As condições para usufruir dos eventuais incentivos e benefícios constantes do Orçamento do Estado não foram exaustivamente descritos, pelo que o leitor deve consultar o texto completo da Lei, publicado no Boletim Oficial.